O CUBÍCULO

Escritoræs Amadoræs Anônimøs

eu escrevo porque estamos em guerra, e eu não sei atirar (José Fernando Peixoto de Azevedo - 2019) publicado por Maria CaPoeira i...

eu escrevo
porque estamos em guerra,
e eu não sei atirar

(José Fernando Peixoto de Azevedo - 2019)


publicado por Maria CaPoeira

imagem "memorie sinline", de Agnes Cecile




eu achei que ele vinha comemorar meu nascimento batendo em minha porta. quando aconteceu, a sensação foi de que queria bater em mim, e s...



eu achei que ele vinha comemorar meu nascimento batendo em minha porta. quando aconteceu, a sensação foi de que queria bater em mim, e só não fez porque é aleijado das suas vontades. exatamente 34 anos depois, ele acordou no dia seguinte e, sem vergonha ou medo, porque confiante em seus próprios preconceitos, chamou-me para fora de onde fiz porto-seguro. fez-me abrir a porta que mantenho trancada a todo minuto, como se fosse um amistoso visitante. farsante. e de lá de fora, com a ousadia para mostrar sua ignorância, ele vomitou por alguns poucos minutos. ou foram meses? ainda sinto o fedor de seu vômito invadindo as frestas da porta, passando sorrateiro por debaixo, ou pelo minúsculo buraco da fechadura. chorume e suor de macho asqueroso que não toma banho, e que não sorri. às vezes as cores de seus excrementos bizarros fazem mancha em minha janela também, como se fizessem parte da paisagem da cidade. em resposta, fecho as cortinas. que horror! impregna tudo, cheiro, cor... uma nódoa existencial difícil de sair. talvez eu deva limpar a imundice que ele deixou com “diabo verde”, passar alfazema nas janelas, espalhar sal grosso pelo piso, rodapés e ralos. foi assim, falando em voz alta com o ódio mortal de si mesmo, e sem sorrir, que um homem vomitou em cima de mim. meu corpo, minha história, minha família, minhas origens, meu conhecimento, minha experiência de vida, tudo foi contaminado pela substância tóxica que ele expelia. e expele todo dia, ouço daqui. sinto o cheiro repugnante. vômito de homem é uma merda difícil de limpar!      


publicado por  Maria CaPoeira

imagem de autoria desconhecida
fonte: https://www.greenme.com.br/morar/faca-voce-mesmo/4002-10-produtos-de-limpeza-nunca-comprar

Vi virtudes na verdade dos teus vícios na vontade vacilantes do teu riso na volúpia incensante dos teus lábio...








Vi

virtudes

na verdade dos teus vícios

na vontade vacilantes do teu riso

na volúpia incensante dos teus lábios

na vertigem e na voragem dos teus olhos

no vazio abissal destes meus versos

Vis
















Eu acordo pensando na cavidade entre seus lábios e o queixo. Vejo sua imagem no reflexo da minha cabeça, no reflexo de minha alma, no refl...


Eu acordo pensando na cavidade entre seus lábios e o queixo. Vejo sua imagem no reflexo da minha cabeça, no reflexo de minha alma, no reflexo das minhas expectativas. Lembro de seus dedos do pé entrelaçados nos meus dedos da mão. A minha mão em seu pé, meu coração em sua mão. Seu sotaque desconcertado estremece as bases de meu domínio da língua.

Publicado por Alaíde das Flores

Imagem de autoria desconhecida






Ela abre os olhos e se depara com as  costas  dele. Um corpo celestial com suas regras próprias, leis de gravidade e de pressão irregulares....

Ela abre os olhos e se depara com as costas dele. Um corpo celestial com suas regras próprias, leis de gravidade e de pressão irregulares. A pele- galáxia morena desenha para ela uma via láctea de sinais, naquele tempo-espaço nebuloso da cama. A olho nu, ela lê a imagem a se formar na ligação daqueles pontos estelares. 
- Que horas são?
Ele estende o braço esquerdo sem esforço, movimentando as nuvens moleculares ao redor dos dois corpos-buracos-negros-supermassivos, alcançando o telefone celular à beira da cama. Faz calor e faz frio no universo. 
- Já são oito e meia...(respira fundoMas aqui está tão gostoso.    
Subitamente abre-se um cosmo-futuro de lembranças que ainda serão vividas por ambos. Ela fecha os olhos para dentro de sua matéria escura, e constela. 

Publicado por Alaíde das Flores.

Fotografia "Nebulosa Cabeça de Cavalo, ou Barnard 33", de Aldo Mottino & Carlos Colazo, OAC; Hubble Legacy Archive.


A Nebulosa Escura se encontra a cerca de 1.500 anos-luz de distância da Terra. A sua forma aparentemente equina (pareidolia) deve-se à concentração de poeira. Os pontos brilhantes na base da Nebulosa Cabeça de Cavalo são jovens estrelas em processo de formação. Fonte: http://www.astropt.org/2014/08/03/nebulosa-cabeca-de-cavalo-2/.

Eu olho para você.  Você olha para mim. Eu não sei o que você vê. Você não sabe o que eu vejo. Publicado por Alaíde das Flor...



Eu olho para você. 
Você olha para mim.
Eu não sei o que você vê.
Você não sabe o que eu vejo.








Publicado por Alaíde das Flores

Imagem de Dila Binkanat

Você.  Porta de uma casa.  Em pé parado na escada olhando a rua. À espera. Você espera outro corpo. O meu corpo que se aproxima, ...





Você. Porta de uma casa. Em pé parado na escada olhando a rua. À espera. Você espera outro corpo. O meu corpo que se aproxima, supostamente antes de dobrar a esquina. Dobrar a fala. Dobrar a confiança. Dobrar a vida. Dobrar a sensação de euforia, de bem-estar-junto. Eu. Caminho ao seu encontro do lado oposto ao que você olha. Atraso o passo para lhe ver esperando. Me esperando. Desconcertado porque guardava surpresas, e doçura. Ciente de tudo que eu pude mostrar num profile virtual, mas num perfil feito só para que você pudesse ver. Ver quem eu sou e quem eu não sou. E eu sou. Você. Reticente sobre o futuro. Mas quem sabe do futuro? Ansioso pela espera. Eu. Ansiosa. De querer que você vá comigo. De querer que você venha comigo. Que você goste comigo. Beba comigo. Durma comigo. Sonhe comigo. Até brigue comigo e depois. Você. Eu odeio você. 


Publicado por Alaíde das Flores

Imagem do filme "Les Felins", de  René Clément